Vamos começar com uma
pergunta bem simples: Qual o primeiro animal que vem à sua cabeça quando você
escuta o termo ‘marsupial’? Bem, as chances de você ter pensado em algum
mamífero australiano, como os famosos cangurus e coalas, são enormes. Isso se
deve ao fato desses animais serem verdadeiros ícones da ‘Land Down Under’ (Austrália)
e a imagem deles tem sido divulgada através de livros didáticos e da mídia ao
redor do mundo. No entanto, vale ressaltar que existem marsupiais na Papua Nova
Guiné (um pequeno país da Oceania, ao norte do território australiano) bem como
na América do Sul (ver post: Os marsupiais no Brasil: presente e passado).
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Monito del Monte (Dromiciops gliroids),
a incógnita na
biogeografia dos marsupiais.
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Antes de mergulharmos
no mundo dos marsupiais australianos, precisamos entender como os marsupiais
são classificados. Os marsupiais modernos costumam ser divididos em dois grupos:
Ameridelphia e Australidelphia.
Como o nome sugere, Ameridelphia inclui os marsupiais americanos (mais detalhes
em: Os marsupiais no Brasil: presente e passado), enquanto Australidelphia
agrupa os marsupiais da Oceania, especialmente da Austrália.
Mas como toda boa regra
tem exceções, a classificação dos marsupiais não poderia ser diferente. Tudo
graças a uma única espécie de marsupial, o “Monito del monte” (Dromiciops gliroides). Esse bichinho que
tem uma ordem só pra ele e, apesar de viver na América do Sul (Chile e
Argentina), é agrupado junto com os marsupiais australianos. Mas essa história fica para um futuro próximo.
Voltando para os
marsupiais genuinamente australianos, nós podemos classifica-los em quatro
grupos completamente distintos. Mas antes, vale lembrar que muitos dos nomes
populares dos marsupiais australianos não tem tradução literária para o
português. Devido a isso, esses nomes estão escritos entre aspas.
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Demônio da Tasmânia (Sarcophilus harrisii)
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O primeiro deles – e
mais fascinante na minha humilde opinião – são os marsupiais carnívoros. Esse
grupo apresenta uma grande diversidade de formas, as quais lembram os carnívoros
placentários. Essa semelhança é fruto da Convergência Evolutiva, um processo onde
diferentes animais que vivem sob condições ambientais similares, adquirem
características físicas e papéis ecológicos semelhantes, no decorrer da
evolução. Um bom exemplo disso é o recentemente extinto Tigre da Tasmânia (Thylacinus cynocephalus), o qual tinha a
forma do corpo bastante similar à de cachorros do mato. Outra espécie bem
popular dessa ordem é o Demônio da Tasmânia Sarcophilus
harrisii, a maior espécie de marsupiais carnívoros existente (chegando a 65
cm de altura e pesando até 9 kg), a qual é famosa por ter inspirado o
personagem de desenho animado Taz-mania. Apesar de ser denominado de ‘demônio’,
os indivíduos dessa espécie só apresentam comportamento agressivo quando
caçando ou competindo com outros indivíduos, sendo inofensivos e tranquilos na
maior parte do tempo.
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Taz-mania, personagem de desenho animado |
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O bizarro e singular
"Marsupial Mole"
(Notoryctes typhlops)
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Outro caso de
convergência evolutiva vem do nosso segundo grupo de marsupiais
(Notoryctemorphia), o qual contém apenas duas espécies que lembram as famosas toupeiras.
Apesar da baixa diversidade, essa ordem apresenta animais extremamente
especializados e bizarros. De hábito fossorial (escavador), elesapresentam
inúmeras adaptações para escavação: corpo mole e que lembra um tubo, cabeça
curta, boca pequena, ausência de olhos e fortes membros.
O próximo grupo inclui
os marsupiais conhecidos como ‘bandicoots’ e ‘bilbies’ (Peramelemorphia). Esses
animais são bastante uniformes em relação a forma do corpo: a maioria possui um
corpo pequeno com focinho alongado. “Grande Bilby” ou ‘Bilby Coelho’ (Macrotis lagotis) é o representante mais
distinguível e facilmente identificável desse grupo.Um
fato interessante é a importância cultural dessa espécie, que é usada pelos
australianos como o símbolo da Páscoa, em vez de coelhos.
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Grande Bibly (Macrotis lagotis),
símbolo da Páscoa na
Austrália.
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O último e mais diverso
grupo de marsupiais são os diprotodontes. O nome pode não ser familiar, mas
essa ordem contém os marsupiais mais famosos do mundo: coalas e cangurus. Eles
são chamados de diprotodontes porque eles apresentam três pares de incisivos na
mandíbula superior, mas apenas um único par de incisivos na mandíbula inferior.
Além disso, eles também não possuem caninos inferiores, isso limita o tipo de
alimentação que eles podem assumir, sendo especialistas em dietas herbívoras ou onívoras A diversidade desse grupo é enorme não só em termos de tamanho, mas
também de hábitos. Afinal, esse grupo contém animais arborícolas, planadores e
saltadores, além de espécies noturnas e diurnas.
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Um exemplo da
diversidade de hábitos
entre os marsupiais australianos,
o planador “Sugar
Glider”
(Petaurus breviceps).
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Essa ordem de
marsupiais é subdividida em três outros grupos. O primeiro inclui animais
arborícolas que lembram primatas. Eles são conhecidos, em sua maioria, como
‘Possums’ e podem variar de animais pesando 6g, como o ‘Pequeno Possum Pigmeu’,
até 4,5 kg, como os ‘Brushtail Possum’. Em seguida, temos os Coalas e os
‘Wombats’. Coalas são animais extremamente fofos, de hábito arborícolae
que se alimentam basicamente de folhas de eucalipto. Eles também tem um
metabolismo muito lento, dormindo incríveis 21 horas por dia! Enquanto isso, os
‘wombats’ apresentam hábito noturno, se abrigando em tocas no chãodurante
o dia. Finalmente, o último grupo inclui os cangurus verdadeiros, os ‘Rato-cangurus’
e os ‘Wallabies’. Esses marsupiais podem variar em muitos aspectos, desde o
canguru arborícola de médio porte Dendrolagus
lumholtzi até o Grande Canguru Cinza do Leste. Além disso, cangurus e
wallabies apresentam uma característica bem peculiar: a cauda deles é espessa e
bastante pesada, sendo utilizada como um quinto membro e colaborando para o
salto desses animais. Enquanto os tendões das pernas impulsionam o salto do
canguru, a cauda é usada para estabilizar esse movimento.
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Diprotodon
optatum, o maior marsupial da história
Anne Musser © Australian
Museum
(Fonte: Australian Museum Website)
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Você deve estar
pensando que a Austrália tem uma diversidade suficiente de marsupiais, mas se
nós olharmos para o registro fóssil, essa diversidade fica ainda maior. Basta
dar uma olhadinha no gigante Diprotodon,
um marsupial quadrúpede e herbívoro, que viveu durante o Plioceno. Esse animal
podia alcançar impressionantes 4 m de comprimento e pesar até 2800 kg de peso,
o que classifica Diprotodon como o
maior marsupial conhecido! Não menos surpreendente, temos o “Marsupial
Lion”
(Thylacoleo carnifex), considerado o
maior marsupial carnívoro da Austrália, que viveu no Pleistoceno. Além disso,
estudos revelam que esse animal teve a mordida mais poderosa entre todos os
mamíferos já existentes!
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“Marsupial Lion” (Thylacoleo carnifex).
Anne Musser © Australian
Museum (Fonte: Australian Museum Website)
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Muitas hipóteses tem
sido propostas para explicar a extinção da megafauna australiana, contudo, a
mais aceita assume que mudanças climáticas foram a principal causa. Acredita-se
que com o fim da última Era do Gelo, que ocorreu no Pleistoceno tardio,
o clima da Austrália se tornou mais seco e as fontes de água, mais escassas. As
espécies da Megafauna tiveram sua distribuição restrita a áreas no leste da
Austrália por algum tempo, até serem completamente extintas.
A diversidade de
marsupiais na Austrália é, sem dúvida, a maior do mundo. Mas, será que a
história desse grupo começou na “Land Down Under”? Isso são cenas para os
próximos capítulos.
Referências:
Vaughan,
T. A.; Ryan, J. A. & Czaplewski, N. J. (2011). Mammalogy. 5 ed. Estados Unidos, Jones and Barlett Publishers.
650p.
Menkhorst, P.; Knight, F. (2011). A Field Guide to the Mammals of Australia. 3 ed. Melbourne, Oxford
University Press. 274p.
Jones, M. E.; Dickman, C. R.; Archer, M. eds. (2003). Predators with pouches: The Biology of
Carnivorous Marsupials. CSIRO Publishing, Collingwood.